Um
golpe perpetrado recentemente contra os fundos de pensão Postalis e Petros
começa a ser desvendado pela Polícia Federal. Inquérito sigiloso obtido com
exclusividade por ISTOÉ traz os detalhes de um esquema que desviou R$ 100
milhões dos cofres da previdência dos funcionários dos Correios e da Petrobras.
Parte do dinheiro, segundo a PF, pode ter irrigado as contas bancárias do
presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Lindbergh Farias
(PT-RJ) e do deputado federal e ex-ministro de Dilma, Luiz Sérgio (PT-RJ),
atualmente relator da CPI do Petrolão. Prestes a ser enviado ao Supremo
Tribunal Federal, devido à citação de autoridades com foro especial, o
inquérito traz depoimento de um funcionário do grupo Galileo Educacional,
empresa criada pelo grupo criminoso para escoar os recursos dos fundos. Segundo
o delator identificado como Reinaldo Souza da Silva, o senador Renan Calheiros
teria embolsado R$ 30 milhões da quantia paga, Lindbergh R$ 10 milhões e o
deputado Luiz Sérgio, o mesmo valor.
Para desviar os recursos dos fundos de pensão, os acusados, segundo a
investigação da PF, montaram o grupo Galileo Educacional a fim de assumir o
comando das Universidades Gama Filho e UniverCidade, ambas no Rio de Janeiro,
que passavam por dificuldades financeiras. Para fazer dinheiro, o grupo Galileo
lançou debêntures que foram adquiridas pelo Postalis e pelo Petros. De acordo
com a PF, a operação foi feita apenas por influência política e sem nenhum
critério técnico. O dinheiro, em vez de ser aplicado nas universidades, teria
sido
desviado para um emaranhado de empresas e depois, segundo o delator,
remetido a Renan, Lindbergh e Luiz Sérgio. Em pouco menos de um ano, o MEC
descredenciou boa parte dos cursos de ambas universidades e os fundos arcaram
com o prejuízo.
Nas seis páginas de denúncia, o delator cita, além dos parlamentares, os
supostos operadores desses políticos e de seus partidos, imbricados numa rede
de empresas de fachada que teriam servido para lavar os recursos dos fundos de
pensão. Até agora, PF e Ministério Público já ouviram mais de 20 pessoas,
pediram o indiciamento de algumas delas e chegaram a cogitar prisões cautelares
e a apreensão de passaportes. “Os envolvidos montaram todo um simulacro com
aparato administrativo, financeiro e jurídico para angariar recursos em uma
estrutura que não tinha qualquer comprometimento com a proposta educacional”,
afirma o delegado Lorenzo Pompilio, que comanda o inquérito. Em relatório
encaminhado ao MPF, ele fala em “ciclo criminoso”, considerando a incursão dos
acusados nos crimes de peculato, formação de quadrilha e estelionato. Segundo o
delegado, as atas de reuniões, assembléias, contratos e outros registros
financeiros indicam “ações delineadas e orquestradas a pretexto de
desenvolvimento de atividade acadêmica”, mas que tinham o único intuito “captar
recursos que desapareceram”.
Sem poder avançar na apuração do núcleo político, além do que já foi
descoberto, evitando assim que o processo seja enviado prematuramente ao STF,
os investigadores dissecaram a ação de seus operadores. Quem capitaneou o
esquema foi o advogado Marcio André Mendes Costa, responsável por criar o grupo
Galileo e montar a engenharia para drenar recursos dos fundos de pensão – tudo
feito com aparência de legalidade e auxílio de conhecidos executivos do mercado
financeiro. Em pouco tempo, Mendes Costa conseguiu acessar os cofres do
Postalis e da Petros, assumiu o controle da Universidade Gama Filho e da
UniverCidade, instituições tradicionais do Rio de Janeiro.
Toda essa influência não surgiu do nada. Ex-conselheiro da OAB-RJ, o
advogado circula com desenvoltura no meio político. Advoga para Furnas e
trabalha há anos para a família do ex-senador Wellington Salgado, do PMDB
mineiro, antigo aliado de Renan Calheiros. Também é parceiro do peemedebista
Hélio Costa. Foi o ex-ministro das Comunicações quem indicou Adilson Florêncio
da Costa como diretor financeiro da Postalis. Ao sair, Florêncio da Costa
deixou em seu lugar Ricardo Oliveira Azevedo, outro apadrinhado de Renan.
Azevedo levou ao comitê financeiro do fundo, em abril de 2011, a proposta de
investimento no grupo Galileo. Em seu relatório, ele avalizou o projeto e o
negócio acabou aprovado por todos os integrantes. Uma vez concluído o negócio,
Florêncio da Costa tornou-se conselheiro da Galileo. Aqui está o que a Polícia
Federal definiu como aprovação por influência política, sem critério técnico.
O dinheiro do Postalis, cerca de R$ 80 milhões, foi usado para adquirir
75% do total de debêntures emitidas pelo grupo. O restante foi comprado pela
Petros e pelo Banco Mercantil do Brasil, responsável por estruturar a operação.
Segundo depoimentos, dentro do banco o negócio foi encaminhado pelo irmão de
Mendes Costa, Marcus Vinícius, acionista minoritário do BMB. As debêntures do
Galileo tiveram como lastro as mensalidades do curso de medicina da
Universidade Gama Filho, que naquele momento já passava por dificuldades
financeiras e risco de descredenciamento pelo Ministério da Educação.
Comprá-las era uma decisão temerária e só uma gestão política poderia garantir
a aplicação milionária num negócio pra lá de suspeito.
Mas os dirigentes dos fundos desconsideraram o risco, assim como se
comportaram o banco BNY Mellon, contratado pelo Postalis como administrador dos
investimentos, e a consultoria Planner Trustee, agente fiduciária da operação.
Ao todo, o Postalis investiu R$ 81,4 milhões em debêntures. Para receber os
recursos, Márcio Costa criou a empresa Galileo Gestora de Recebíveis S.A,
também controlada por ele. Como se as garantias das mensalidades do curso de
medicina já fossem frágeis, o advogado ainda decidiu trocá-las pelas de
engenharia mecânica e elétrica – sem avisar ao Postalis. O escândalo veio à
tona em 2012 e foi até alvo de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio, mas as
investigações foram abafadas. O relatório final da CPI responsabilizou Márcio
Costa, sem considerar suas relações políticas e societárias.
Em depoimento à PF, a advogada Beatris Jardim, nomeada por Márcio Costa
como diretora financeira, revelou novos nomes que participaram do esquema. Ela
disse, quando assumiu o cargo, que já não havia mais o dinheiro das debêntures
no caixa. E apontou como verdadeira tesoureira do grupo Aline Cristina Duarte
Gonçalves, pessoa de confiança de Costa. “Quando eu perguntava sobre o
dinheiro, eles me respondiam com evasivas”, disse Jardim, que já foi indiciada.
Outro diretor, Samuel Dionizio entregou à PF extratos bancários que mostram um
depósito de pouco mais de R$ 50 milhões do Postalis numa conta vinculada ao
recebimento das mensalidades dos alunos. O dinheiro depois foi transferido para
outra conta da empresa administradora, sem passar na conta principal da
Galileo. Em seguida, os valores “foram pulverizados em uma série de operações
com destinação que não pode ser identificada de forma mais clara”. A PF e o
Ministério Público, que também atua na investigação, desconfiam que a
dinheirama circulou pelas contas das empresas dos sócios do grupo Galileo,
depois por outras empresas fantasmas e até doleiros, antes de chegar aos
políticos citados.
Uma das empresas que recebeu os recursos pertence, segundo a PF, ao empresário
Milton de Oliveira Lyra Filho, conhecido como Miltinho, outro operador
importante do esquema. Dono de várias companhias, a maioria de fachada, Lyra
Filho é apontado em Brasília como o lobista de Renan. Ligado ao PTB e ao PMDB,
o nome de Lyra surgiu na Polícia Federal em 2011 no âmbito da Operação Voucher
quando uma empresa sua foi identificada como beneficiária de recursos
repassados pelo Ministério do Turismo num convênio com o Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento e Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), uma espécie de ONG.
Um ano antes, com aval do PMDB, Miltinho conseguiu que dois cunhados seus
comprassem o edifício-sede da Postalis e depois o revendessem, embolsando no
negócio mais de R$ 1,2 milhão. Depois da venda, o Postalis passou a pagar aluguel
de R$ 139 mil para continuar no mesmo lugar.
A relação com os peemedebistas aproximou Miltinho de Renan Calheiros e
os dois passaram a jantar em restaurantes de Brasília. Elementos da
investigação da PF sugerem que, por influência do presidente do Congresso, o
lobista entrou de cabeça no negócio da Galileo. Figurou primeiramente com 5% no
quadro societário do grupo, por meio de sua empresa IDTV Tecnologia e
Comunicação. Depois, trocou a IDTV pela Euro América Participações, que
funciona no mesmo endereço numa sala no subsolo de uma galeria comercial do
Lago Sul em Brasília. Para a Polícia Federal, o fato de Miltinho estar
envolvido no esquema é mais um forte indício – além do depoimento do
funcionário da Galileo – da participação de Renan Calheiros no esquema. A PF
agora quer quebrar o sigilo financeiro dessas companhias. Na Euro América,
Miltinho tem como sócio o investidor Arthur Pinheiro Machado. Ele é investigado
pelo Ministério da Previdência pois estaria por trás de falcatruas envolvendo
R$ 300 milhões do próprio Postalis.
Além de Miltinho, o lobista de Renan, a PF desconfia que o dinheiro do
Postalis possa ter ido parar nas contas das empresas de Ricardo Magro, dono da
Refinaria de Manguinhos. Ele aparece como diretor do grupo Galileo, apesar de não
possuir qualquer afinidade com a área educacional. Magro sempre atuou no setor
de combustíveis e responde processo por sonegação de impostos.
Se a presença de Ricardo Magro nos quadros de um grupo educacional chama
a atenção da PF, tampouco se pode desprezar a relação com Marcelo Sereno.
Ex-assessor do ex-ministro José Dirceu e figura de proa do PT carioca com
reconhecida atuação nos fundos de pensão, Sereno candidatou-se a deputado
federal no ano passado, mas não foi eleito. É atribuída a ele a estratégia de
arrecadação da campanha de Lindbergh Farias para o governo do Estado, que
também fracassou. Na mesma chapa, o único que teve sucesso foi o deputado Luiz
Sérgio, que saiu fortalecido com a reeleição e assumiu papel importante na
Câmara como relator da CPI da Petrobras. Sua função agora é evitar
constrangimentos a Lindberg, que já é alvo de investigação no Supremo por
suposto envolvimento no Petrolão. Todos são suspeitos de usar dinheiro desviado
de contratos da Petrobras para financiar campanhas políticas. Com as
descobertas do caso Galileo, MPF e PF acreditam que o mesmo esquema possa ter
ocorrido nos desvios do Postalis, da Petros e de outros fundos de pensão.
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