"No tempo dos frades, a
lagoa era povoada por duas cobras enormes. Uma muito feroz e atrevida, devorava
os banhistas e quem atravessasse a lagoa devia pedir proteção a São Miguel para
não ser agarrado pela cobra. As crianças eram as vítimas preferidas pela cobra
maligna. A outra cobra era mansa. Limitava-se a assobiar tristemente nas tardes
em que seu companheiro nadava perseguindo os incautos.
Reza a lenda que essas
cobras eram duas crianças pagãs que os índios jogaram dentro da lagoa, a
conselho dos pajés para que os padres não as batizassem. Viraram cobras e
estavam cumprindo penitência...
Num domingo, depois da
missa, um padre missionário, veio até a margem da lagoa e, em nome de Deus,
intimou as cobras a comparecer na igreja, naquela tarde, às horas da benção do
Santíssimo Sacramento.
A cobra fêmea, tardinha,
saiu da lagoa, arrastou-se, repelente e viscosa, para a vila, espavorindo quem
a avistava. Atravessou a praça e enrolou todo o edifício da igreja com seu
imenso corpo reluzente, juntando a cabeça e a cauda na soleira da porta
principal. Do altar-mor, paramentado, o vigário admoestou-a a santa obediência
e, erguendo a mão, abençoou-a. A cobra desenroscou-se, voltou coleante e
terrível, para as águas da lagoa. Nunca mais saiu nem fez mal. Vez por outra veem
seu dorso negro, sobrenadando.
O companheiro, desobediente,
não veio à igreja. O padre amaldiçoou-o da porta do templo, em voz alta e em
latim.
A cobra excomungada nadou
para o outro lado da lagoa, esgueirou-se pelo mato e bufando como uma locomotiva,
derrubando arbustos com o açoite furioso da cauda poderosa. No sítio Jardim,
justamente no lugar ‘Embaíba’, estirou-se e morreu. Nesse local, nunca mais
nasceu capim e a estreita faixa de areia no meio da vegetação reproduz
fielmente o contorno da serpente fantástica".
(Câmara Cascudo - As cobras
da lagoa de Extremoz - RN)
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